Apenas 11 das 83 empresas do Ibovespa responderam que uma parcela da equipe se declara não-binária ou “outros”: em 87% das companhias, os funcionários são classificados como homens e mulheres.
Procuradas pela Folha, algumas das empresas disseram que buscam melhorar continuamente suas práticas ESG (governança ambiental, social e corporativa), enquanto outras discordaram dos dados apresentados na pesquisa. Confira as respostas ao final do texto.
Os formulários de referência são relatórios online que devem ser enviados todo ano pelas companhias abertas à CVM, com dados financeiros, comentários dos administradores, entre outras informações referentes ao exercício anterior. Desde 2023, o formulário de referência vem acompanhado de um questionário ESG, que permite apontar o nível de diversidade racial e de gênero na companhia, por exemplo, além de identificar quanto as minorias estão representadas nas posições de liderança.Mas a própria CVM observou que as respostas não condizem com a realidade e prepara mudanças no preenchimento do questionário. “A área técnica da autarquia observou um número de preenchimentos incorretos e/ou incompletos”, afirmou, em nota, à Folha.
“A SEP [Superintendência de Relações com Empresas] entendeu cabível fazer uma revisão do formulário de referência online, com a implementação de travas e avisos, com o objetivo de alertar os emissores sobre o preenchimento inadequado e, consequentemente, buscando garantir melhor qualidade da informação disponibilizada ao mercado e à sociedade”, afirmou.
No questionário ESG, as empresas devem preencher sete tabelas para dividir os funcionários de acordo com as seguintes categorias de diversidade: localização geográfica (região Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste ou Sul); nível hierárquico (liderança ou não-liderança); identidade autodeclarada de gênero (feminino, masculino, não binário ou outros); identidade autodeclarada de cor ou raça (branco, preto, pardo, indígena, amarelo ou outros); e faixa etária (abaixo de 30 anos, entre 30 e 50, acima de 50 anos).
A companhia também precisa divulgar a composição de cada órgão da administração por gênero e raça. O questionário, no entanto, abriu espaço para a opção “prefere não responder”. “Este foi o recurso usado pelas companhias não comprometidas com a governança”, diz Chaves. “Ao indicarem um grande número de não-respondentes, as empresas mostram o quanto o ESG é um assunto menor para elas.”
PESQUISA APONTA MENOS DE 5% DE NEGROS NA LIDERANÇA; MULHERES SÃO 33%
No levantamento, Renato Chaves selecionou informações referentes à liderança composta por negros e por mulheres nas maiores companhias abertas da bolsa. O conceito de “liderança”, no entanto, não é determinado pela CVM –cada empresa entende como quer. “Isso é um erro”, diz Chaves. “Por princípio, quem tem subordinado é um líder. Ao não definir o que é liderança, a CVM torna mais difícil a comparação entre as empresas.”
Com base nas informações que as próprias companhias enviaram à CVM, o levantamento identificou que as empresas do Ibovespa têm, em média, 4,8% de negros em posições de liderança. O número significa menos da metade da representatividade dos negros na população brasileira, que é de 10%, segundo o IBGE (sem contar os pardos).
Já em relação às mulheres, elas somam 33% da liderança, em média, nas companhias mais negociadas da bolsa. O percentual também abaixo da representatividade delas na população, de 51,5%.
A partir desses dados, Renato Chaves identificou as empresas do Ibovespa com os melhores e os piores índices de contratação de negros líderes (as que têm 10% ou mais de negros e as que têm menos de 1%), e também as que apresentam os melhores e os piores indicadores de mulheres em cargos de liderança (as que têm 50% ou mais e as que têm menos de 20%).
Entre as empresas mais bem colocadas na contratação de líderes mulheres está o Fleury com 69,9%. Outro destaque é o Assaí, uma das empresas que apresentaram o maior número de negros na liderança: 13,6%. Considerando pretos e pardos, o Assaí soma 65% dos colaboradores e 44% dos cargos de liderança –da gerência para cima, diz Sandra Vicari, vice-presidente de gestão de gente e sustentabilidade. “Somos a única varejista alimentar no top 10 da carteira Idiversa B3, que reúne as empresas de capital aberto com os melhores indicadores em diversidade racial e de gênero”, diz.
Tanto no Assaí quanto no Fleury, a opção “prefere não responder” do questionário ESG não foi usada.
“Como uma empresa pode desenvolver políticas de recursos humanos adequadas se não sabe ao certo qual o perfil da sua equipe?”, questiona Chaves, que lembra que o formulário de referência é o documento oficial das informações da empresa aos acionistas e investidores. “Não adianta dizer que tem relatório ESG, esse tipo de publicação não é obrigatória, faz quem quer”, diz. “Para o mercado, o que contam são as informações que estão no formulário de referência e que deveriam, em tese, estarem corretas.”
O QUE DIZEM AS EMPRESAS
A Bradespar, holding controlada pelo Bradesco, afirmou que não respondeu o questionário ESG por ter um “quadro reduzido de profissionais.”
Questionados na última quarta (17) e quinta (18) sobre a baixa representatividade de lideranças negras nas equipes, Multiplan, Minerva, IRB Brasil e WEG não responderam até a publicação desta reportagem, na manhã de segunda (22). Já a Cosan preferiu não comentar.
O grupo hospitalar Rede D’Or afirmou que negros e pardos juntos somam 47% da liderança. “Considerando apenas posições a partir da gerência, correspondem a 38% dos cargos”, diz.
A Itaúsa, holding que controla o banco Itaú, respondeu que tem uma equipe de apenas 86 colaboradores (mais de 50% mulheres) e que se dedica à “construção de um ambiente plural e com representatividade”.
A concessionária de energia ISA Cteep disse adotar um programa para ampliar o percentual de públicos sub-representados. Nos últimos três anos, a participação de negros no total de funcionários aumentou de 20% para 27% e hoje os líderes negros somam 11% dos diretores, gerentes e coordenadores, disse.
A CSN e a CSN Mineração, que pertencem ao mesmo grupo siderúrgico, por sua vez, apresentam, segundo a pesquisa de Renato Chaves, um alto índice de negros na liderança (32,5% e 31,5%, respectivamente), mas uma baixa participação de mulheres nesse estrato (14,9% e 11,2%).
Em nota, o grupo CSN afirmou que os atuais índices de negros líderes comprovam o engajamento da empresa com a causa. Já a baixa representatividade de mulheres no comando ainda é um resquício histórico, mas desde 2021 o grupo vem trabalhando fortemente para melhorar essa participação.
Questionados na última quarta (17) e quinta (18) sobre a baixa representatividade de mulheres na liderança, WEG, Prio, 3R Petroleum e Engie não responderam até a publicação deste texto, na manhã de segunda (22). Já a Marfrig não quis comentar.
A Klabin disse que tem o compromisso público de alcançar 30% de mulheres em cargos de liderança até 2030, e que chegou a 25% no ano passado.
A Embraer, que tem índice de 16,5% de mulheres entre os líderes, afirmou que “definiu a meta aspiracional de 20% de mulheres na liderança sênior até 2025”, e que vem trabalhando para alavancar a participação feminina na aviação, que é “historicamente pequena por razões culturais.” Há dois anos, criou um programa de treinamento para a aceleração da carreira de mulheres, e em 2023 passou a integrar a iniciativa “25by2025”, da Iata (Associação Internacional de Transporte Aéreo), com o mesmo objetivo.
O Itaú Unibanco diz que, “para a CVM, é utilizada a premissa da autodeclaração dos colaboradores”, e que 84% dos líderes não responderam ao censo. Já o seu relatório ESG aponta mulheres como 52% dos gestores. Até 2025, a meta é ampliar para algo entre 35% e 40% a participação feminina em cargos de gerência para cima.
A Eneva diz que procura criar um “espaço de trabalho diverso e inclusivo” no setor de exploração e produção de petróleo, no qual “as mulheres representam 17% da liderança”. A companhia afirma ter registrado alta de 37% neste indicador nos últimos três anos.
A PetroReconcavo reconhece a importância de um time diverso em todas as esferas da companhia, e adotou um programa de diversidade e inclusão em 2023.
A SLC Agrícola diz que sua meta é atingir 15% de mulheres líderes até o fim do ano. Sem contar as 22 fazendas do grupo, considerando apenas os cargos corporativos, as mulheres são 22% da liderança, diz.
A locadora de caminhões e máquinas Vamos afirma que hoje as mulheres somam 23% de líderes da liderança e que, em 2023, 40% das pessoas promovidas foram mulheres.
A Embraer, por sua vez, afirmou que “definiu a meta aspiracional de 20% de mulheres na liderança sênior até 2025”, e que vem trabalhando para alavancar a participação feminina na aviação, que é “historicamente pequena por razões culturais.” Há dois anos, criou um programa de treinamento para a aceleração da carreira de mulheres, e no ano passado passou a integrar a iniciativa “25by2025”, da Iata (Associação Internacional de Transporte Aéreo), que tem o mesmo objetivo.
“Por meio de projetos sociais, a Embraer incentiva um número crescente de meninas e jovens mulheres a optar por carreiras relacionadas às ciências exatas, na intenção de formar novos talentos para a indústria aeroespacial”, disse.