Semana passada fomos surpreendidos com a decisão do Linkedin de suspender uma vaga baseada em ações afirmativas para profissionais negros e indígenas.
Questionada pela imprensa, a empresa não se manifestou. Resumiu-se a uma resposta protocolar, na contramão de tudo que propagou nos últimos anos. Na sequência, o Ministério Público Federal e o Procon Racial de São Paulo requisitaram explicações.
A Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, movimento formado por mais de 60 entre as maiores empresas do País, também já se manifestou e pedirá explicações. A preocupação com a atitude da plataforma é que ela fomente um possível retrocesso no País já que tem potencial para causar enorme prejuízo a milhares de profissionais negros, bem como processos de recrutamento e seleção baseados nos programas de ações afirmativas.
Programas de ações afirmativas, do qual os principais expoentes são as cotas nas universidades e no serviço público, sempre foram alvos constantes de todo tipo de ataque. De um lado apontava-se uma suposta ausência da combalida meritocracia; de outro, que a ação rebaixaria os níveis de qualidade das instituições que as praticam. Ambos argumentos foram efusivamente refutados por diversos estudos ao longo de décadas de discussão.
Do ponto de vista jurídico, a questão foi levada ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) por mais de uma vez. Em todas, o STF confirmou sua constitucionalidade. Já o Ministério Público do Trabalho, ainda em 2018, apresentou uma nota técnica apontando que não só é possível realizar iniciativas como essa no mercado de trabalho privado, como é absolutamente legal uma vez que no serviço público essa prática já ocorre de longa data.
Foi justamente naquele ano, em 2018, que a Natura lançou um dos primeiros programas de estágio dessa nova temporada, com recorte de vagas para negros. Foi alvo de denúncias e pedidos de abertura de inquérito, mas resistiu, se defendeu e todos os pedidos foram arquivados. Dois anos depois, o Magazine Luiza lançou, quase que simultaneamente com a Bayer, os primeiros programas de trainee para negros. Nem precisamos relembrar o impacto que causou.
E se há sempre dois lados da moeda, nesse caso os órgãos públicos estão dando um grato exemplo de transformação: prontamente saíram ao combate que lhes era cabido. Nós também não ficaremos para trás. Coletiva ou individualmente faremos nossa parte.
Toda essa reação negativa de agora surpreende já que essa estratégia de recrutamento não é exatamente nova. Entre os anos de 2004 e 2005, bancos como Bradesco, Itaú, Real, Bank Boston, entre outros, criaram programas de estágio específicos para alunos da Universidade Zumbi dos Palmares. E desde 2015, a Iniciativa Empresarial pela igualdade Racial lidera e fomenta discussões sobre processos seletivos direcionados para profissionais negros na iniciativa privada com empresas signatárias como Natura, Magazine Luiza, Bayer, Bradesco e Itaú.
A promoção da diversidade racial precisa ser incluída no core do negócio e não somente da gestão atual. Ações pontuais, ou qualquer ação, são sempre importantes, mas, por vezes, efêmeras. A sustentabilidade e perenidade exigem saber quais políticas de diversidade e inclusão a empresa pratica; como elas estão contempladas no planejamento para o ano, quinquênio ou década; de que forma trabalham para favorecer a ascensão profissional desses talentos; e de que forma influenciam a cadeia de valor nesta agenda. Além de tudo isso é imprescindível que funcionários, consumidores e acionistas exijam transparência da empresa quanto ao tema, ao envolvimento na defesa da causa, e como serão feitas ações estruturais e estruturantes. Só assim será possível criar um ambiente de inclusão menos suscetível a mudanças repentinas de rotas como aparentemente ocorreu no Linkedin.
Ao menos quando o “ESG” da moda não for suficiente para deter esse tipo de ação, os pares do Linkedin ficarão com a lição de que, além do prejuízo da marca, há sanções, legislação, instituições públicas, movimentos empresariais e a sociedade civil pronta a reagir.
Fonte: Istoé