Existem batalhas que precisam ser travadas no esforço de construção de uma nação. Tomemos como exemplo a revolta da vacina em 1904 (sim, revolta contra a vacinação não é uma novidade) ou a atual. Os esforços de saúde pública enfrentando dura resistência, em ambos os casos, beneficiaram a todos, inclusive aos revoltosos, ainda que estes não compreendam ou, compreendendo, pelos mais variados motivos, teimem em se opor, colocando a sua vida e a dos demais em risco. Não há como abrir mão deste tipo de batalha.
Com as ações afirmativas, das quais as cotas são a sua principal expressão, não é diferente, sendo que, de forma muito similar, esta batalha atinge a pavimentação da construção das próximas gerações do Brasil.
A Lei de Cotas nas universidades públicas federais, que se encerra em agosto deste ano, refere-se a negros, indígenas, portadores de deficiência e oriundos da escola pública com até 1,5 salários mínimos de renda.
É indiscutível que a educação é a principal ferramenta na formação de um país, entretanto, acessá-la tem sido um desafio histórico no Brasil, em especial quanto ao ensino superior, o qual sabidamente é um vetor de mobilidade social.
Para se ter uma ideia, no ano de 1992, negros e indígenas com idade entre 22 e 60 anos representavam 1,9% das pessoas com ensino superior completo.
Muita tinta já correu sobre educação de qualidade para todos, educação de base, meritocracia, racismo inverso, entre outros.
O fato é que as cotas mudaram o panorama do ensino superior brasileiro e ainda podem fazer muito mais.
O estudo publicado pelo Movimento Cotas Sim! Liderado pela Universidade Zumbi dos Palmares apontou que de 1,9% em 1992, chegamos a 13,5% de negros e indígenas com ensino superior completo em 2020. Além disso, a proporção de negros e indígenas nas matrículas em cursos presenciais de ensino superior teve um aumento significativo, de 32% em 2009 para 46% em 2019. O número de matrículas dos que ingressaram por qualquer tipo de cota aumentou no período, de 26 mil em 2010 para 364 mil em 2019.
Assim, em 2021, a Universidade Zumbi dos Palmares lançou o Movimento Nacional Cotas Sim!, com o objetivo de renovar a lei de cotas, uma vez que seu prazo de validade de 10 anos encerra-se em agosto de 2022.
O movimento chega na sua reta final, com a construção do Projeto de Lei 3.422/2021, o qual recebeu a aprovação de Regime de Urgência e teve nomeado como relator o deputado federal Bira do Pindaré (PSB-AM), membro da Frente Parlamentar Mista da Educação da Câmara dos Deputados.
O projeto está em discussão final e deverá ir para plenário nos próximos 60 dias.
No próximo dia 22 de fevereiro, o relator do projeto de Lei será recebido em audiência pública na Universidade Zumbi dos Palmares, para debates e proposições em um dos últimos capítulos antes do projeto seguir ao plenário da Câmara dos Deputados. Certamente um momento histórico.
O futuro de milhares de jovens brasileiros que ainda sequer vieram a existência, depende do nosso atual e imediato esforço enquanto sociedade na definição do Brasil que eles viverão.
Sendo bem-sucedidos, e seremos, quando estes acessarem com total naturalidade os bancos das universidades públicas, saberão que houve uma época em que duras batalhas foram travadas para que isso fosse possível.
Uma batalha para que todos os brasileiros tenham a oportunidade de acessar, se assim quiserem, as universidades públicas brasileiras. Se você não tem um lado, já fez a sua escolha.
Foto utilizada nesta matéria: Mobilização de estudantes: em 2021, a Universidade Zumbi dos Palmares lançou o Movimento Nacional Cotas Sim!, com o objetivo de renovar a lei de cotas, uma vez que seu prazo de validade de 10 anos termina em agosto de 2022 (Crédito: Antonio Scarpinetti/Unicamp)