‘Regra frouxa’ sobre ESG faz maioria das empresas listadas na B3 ter baixa transparência, diz estudo

Devido à subjetividade das normas que balizam os relatórios de ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança corporativa), as maiores empresas listadas na Bolsa de Valores do Brasil, a B3, apresentam baixo índice de um dos principais pilares da governança corporativa: a transparência.

A conclusão é de um estudo da Associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS), que analisou 60 das maiores companhias da bolsa. Juntas, elas representam 56% do valor total de mercado das mais de 400 companhias presentes no mercado de capitais. Das empresas avaliadas, 52 contam com relatórios de sustentabilidade. Sete das oito que não possuem atuam em setores de alto risco ambiental.

O estudo analisou informações obrigatórias e informações voluntárias que variam conforme o setor econômico, considerando os riscos e impactos distintos de cada um deles. A diretora executiva da SIS e uma das autoras do estudo, Luciane Moessa, explica que, para algumas temáticas, como diversidade e inclusão, são solicitados dados quantitativos para as empresas, que reportam a quantidade de pessoas negras e mulheres em suas organizações, por exemplo.

Para outros temas, não são solicitados dados específicos, possibilitando que empresas divulguem os dados que quiserem em áreas como sustentabilidade, por exemplo. Moessa afirma que os pontos levantados demonstram como a falta de regras mais duras abrem brechas para as empresas divulgarem informações genéricas e não necessariamente números — importantes balizadores para a tomada de decisão de investidores.

“Para alguns assuntos, a norma é muito clara, como os dados de diversidade e de desigualdade salarial. Ela pede números, então as empresas entregam números. Quando adotam uma redação mais genérica, dão espaço para as empresas divulgarem narrativas. A quantidade de informação consistente e objetiva que o investidor pode efetivamente ter é muito pequena”, explica Moessa.

Segundo o estudo, um comportamento recorrente dessas empresas é o fato de muitas delas emitirem títulos verdes, mas não apresentarem evidências de que cumpram a legislação referente às práticas socioambientais e atuarem em setores de elevados riscos ambientais e climáticos.

Outra prática que apontaria a falta de transparência das empresas de capital aberto seria a falta de monitoramento da cadeia de valor ou o desconhecimento em relação a dados, demonstrando que poucas empresas contam com registros ou dados factíveis das práticas ambientais de seus parceiros comerciais. Para a SIS, o estudo demonstra que os problemas, amplamente discutidos na agenda ESG, ainda são muito presentes nas empresas listadas na Bolsa de Valores, demonstrando a necessidade de fortalecer a discussão e incluí-la entre as pautas cruciais nas normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A entidade afirma que, além de abranger a divulgação de informações atreladas à agenda das empresas que emitem títulos e valores mobiliários, é necessário fortalecer a integração de critérios ESG em fundos de investimento que investem em atividades com grandes riscos ambientais. “Nosso estudo verificou empresas que atuam em setores altamente poluentes de recursos hídricos e atmosfera, além de gerarem resíduos tóxicos, como indústrias de várias naturezas, empresas do agronegócio e do setor de construção pesada que não realizam este relatório, pois a regulação as deixa livres para decidirem sobre relatar ou não”, afirma Moessa.

Mensurar riscos é necessário

Ela destaca que o cenário observado deve ser uma preocupação, considerando o peso que o mercado de capitais tem na economia brasileira — com algumas das maiores empresas nacionais listadas e negociando os seus ativos. Além disso, o estudo afirma que as empresas listadas na B3 têm poder de influência sobre outros elos da cadeia de valor de bens e serviços, sejam fornecedores (pelas exigências que pode fazer) ou clientes (pelas opções que pode oferecer).Além da divulgação dos riscos das empresas, o estudo destaca a importância de mensurar os impactos em sua cadeia de valor e a divulgação da localização de suas operações.

“A norma da CVM de 2021 é positiva e trouxe pontos importantes na agenda climática e de diversidade, mas nossa contribuição é para que explore muitos temas que ficaram faltando”, afirma.Um ponto de atenção e de risco, segundo o estudo, são os Fundos de Investimento em atividades com altos riscos socioambientais e climáticos que precisam de uma avaliação cautelosa da CVM para evitar que o mercado de capitais se transforme em alternativa para financiar atividades que causem danos ao meio ambiente, ao clima e à sociedade.

Procurada pelo Estadão para comentar o estudo, a B3 não respondeu. A instituição, no entanto, anunciou à imprensa na terça-feira, 10, que ampliou a oferta de dados ESG de empresas e títulos temáticos em sua plataforma “ESG Workspace”. Anteriormente, o site já contava com informações sobre o ISE B3 (Índice de Sustentabilidade Empresarial). Agora, haverá uma seção Títulos Temáticos, com dados de títulos financeiros ligados à sustentabilidade. Além disso, a instituição criou também o ESG Reports Data, que disponibiliza indicadores ambientais, sociais e de governança corporativa divulgados por empresas listadas em fontes públicas.

“Essa iniciativa deve beneficiar gestores, investidores, pessoas físicas, acadêmicos e outros interessados na temática ESG”, afirmou o superintendente de Sustentabilidade da B3, Cesar Tarabay Sanches, destacando que as duas novas áreas “reforçam o propósito da bolsa em conduzir o desenvolvimento sustentável para a sociedade”.

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